Agrofloresta têxtil: integrando biodiversidade e a possibilidade de cultivar materiais para o setor têxtil

Publicado em 12 de setembro de 2020

por Larissa Oliveira Duarte*

A busca por fibras vegetais se amplia no mercado, especialmente por serem biodegradáveis e de fonte renovável, em um contexto de expansão da economia circular e da sustentabilidade no setor têxtil e confecção. Ao mesmo tempo, adotar práticas agrícolas mais sustentáveis é uma demanda mundial, já que o ser humano depende diretamente da produção de alimentos e matérias primas a partir da agricultura. Uma agricultura sustentável sugere uma nova relação ser humano-natureza, que busca otimizar e não maximizar os recursos.

Parte-se do princípio de que é mais gratificante potencializar o ecossistema do que explorá-lo, pois quando o local fica rico em vida, há excedentes e mais recursos para o agricultor (Götsch, 1995). Neste sentido, a Agrofloresta Sintrópica (ou Agricultura Sintrópica) criado por Ernst Götsch, é um conjunto de princípios e técnicas agrícolas com o potencial de restaurar áreas degradas e criar agroecossistemas biodiversos, que integram em uma mesma área, a produção de espécies variadas, incluindo hortaliças, frutas e madeira nobre, etc.

Foto: Agência Fotosite

No caso do cultivo de materiais para o setor têxtil, poderia incluir espécies fornecedoras de fibras, como o algodão, a banana prata, o linho, a paina, etc. E espécies dedicadas aos tingimentos naturais, como açafrão, urucum, café, eucalipto, goiabeira, erva-mate, romã, lavanda, etc. Conciliando espécies florestais e frutíferas com outras anuais, como feijão, milho, mandioca, maracujá, por exemplo, havendo produção diversificada o ano todo – mesmo durante os três a cinco anos iniciais necessários para que a floresta comece a ganhar corpo.

Uma agricultura sustentável sugere uma nova relação ser humano-natureza, que busca otimizar e não maximizar os recursos.

Fig. Experimento realizado no sítio Caminho Verde em Minas Gerais.

Os fundamentos para a construção destes agroecossistemas partem de observação e das características naturais do local. Este tipo de cultivos regenera solos degradados e recupera nascentes, sendo uma alternativa à monocultura do agronegócio, que depende de agroquímicos e desmatamentos para produzir. Ao diversificar as espécies, o solo é alimentado com nutrientes variados, o que aumenta a quantidade de vida que pode sustentar. O aumento da diversidade de culturas também atua como uma defesa natural contra infestação de insetos, ervas daninhas e doenças que prejudicam a produtividade. A Agricultura Sintrópica se enquadra na perspectiva da Agricultura Regenerativa, no que diz respeito a que entender a agricultura moderna através de uma lente holística de longo prazo, considerando a produção rural para trabalhar em sincronia com a natureza. Visando reduzir drasticamente a pegada de carbono da indústria e retirando carbono da atmosfera e armazenando-o no solo, o que pode contribuir para desacelerar as mudanças climáticas (The Guardian, 2020).

Alguns dos processos principais da Agricultura Sintrópica são: 

(1) A sucessão natural das espécies:

é um processo que pressupõe mudança da fisionomia das populações no espaço e no tempo, no sentido de aumento de qualidade e quantidade de vida (Götsch, 1995). As espécies colonizadoras, pioneiras, secundárias e clímax tendem a crescer juntas, embora em velocidades diferentes, por isto fazem parte de um mesmo “Sistema Ecológico”. Em cada degrau do caminho da sucessão natural, a floresta como um todo também cresce passando do estágio inicial para os estágios médios e depois para o estágio mais avançado, chamado de climax.

(2) A estratificação:

é um processo que ocorre ao mesmo tempo que a sucessão, no qual os organismos florestais se estruturam em andares, em cada fase e em cada degrau da sucessão natural, para em conjunto captar a energia do sol com maior perfeição. O estrato de uma planta é o andar que sua copa ocupa no organismo florestal no qual se origina. (Correa Neto et al., 2016).

(3) A técnica de cobertura vegetal do solo:

esta camada protetora traz resultados no que se refere a conservação contra processos erosivos e a lixiviação de nutrientes. A exposição direta aos raios solares e ao impacto das gotas de chuva acaba por promover a desestruturação e desagregação do solo, resultando em erosão. Também ajuda a manter a umidade do solo e a vida microbiana.

(4) O manejo e a poda:

são essenciais para contribuir para uma ciclagem e uso mais eficientes dos nutrientes, acarretando aumento dos teores de nutrientes disponíveis no solo. Além de dinamizar o sistema, a poda proporciona produção de material orgânico para compor os solos e a qualidade da serapilheira apresenta relação diretamente com os teores de nutrientes no solo. Também irá ampliar a incidência de luz solar e potencializar a fotossíntese. Além disso, é importante considerar o contexto específico de cada local, a geografia, clima, safras atuais, infiltração e drenagem de água (The Guardian, 2020).

De acordo com Penereiro (2013) “a educação em Agroecologia e Agrofloresta não é apenas um repasse de informações e técnicas, mas sim a reflexão crítica sobre o mundo em que vivemos e o mundo que queremos, entendendo a Terra como um organismo vivo do qual fazemos parte. Assim, reposicionando o ponto de vista, de uma visão antropocêntrica para uma consciência planetária”.

Observar e aprender é a grande dica, pois nesses sistemas de processo, o ser humano é aprendiz da própria natureza. Em conclusão, a utilização de produtos naturais nos têxteis é uma perspectiva muito promissora para a indústria têxtil, sem comprometer as questões relacionadas à saúde humana e ao meio ambiente. Em ciclos biológicos, materiais de base biológica (por exemplo, fibras ou tingimentos naturais) realimentam o sistema por meio de processos como compostagem. Esses ciclos regeneram os solos, e fornecem recursos renováveis para a economia. Veja o artigo completo em: https://link.springer.com/article/10.1007/s42452-019-0937-y

Larissa Oliveira Duarte é designer e pesquisadora. Co-fundadora das start-ups CONFIO e Jurema.

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Referências: Corrêa Neto, N.E.; Messerschmidt.N.M.; Steenbock, W.; Monnerat, P.F. Agroflorestando o mundo de trator a facão. Associação dos Agricultores Agroflorestais de Barra do Turvo e Adrianópolis, 2016. Götsch, E. Break-through in agriculture. Rio de Janeiro: AS-PTA. 1995. 22p. Penereiro, F. M. Educação na Contemporaneidade: nutrindo-se com a experiência da Escola da Floresta. Tese de doutorado UNB. 2013. The Guardian. From the ground up: Regenerative agriculture revives farmland while curbing climate change. Disponível em: https://www.theguardian.com/soil-matters/ng-interactive/2020/jul/09/regenerative-agriculture-revives-soil-curbs-climate-change

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