Moda da Região Amazônica nas passarelas do BEFW

Publicado em 15 de agosto de 2023

O 3º painel da Conferência de Abertura da 7ª edição da semana de moda Brasil Eco Fashion Week (BEFW) com o tema Conectando Brasilidades foi apresentado por Rafael Morais, realizador do evento. Pela primeira vez a plataforma Brasil Eco Fashion realiza conferência em formato itinerante e em formato presencial. O painel Moda da Região Amazônica nas Passarelas do BEFW teve, como mediadora Felícia Assmar, coordenadora de moda da Universidade da Amazônia (Unama) e também da semana de moda Amazônia Fashion Week (AFW). As convidadas foram as empresas Maria Zeferina, da Demodê, do Maranhão, Ludmila Heringer, da marca Ludimila Heringer, do Pará, e We’e’ena Tikuna, da marca We’e’ena Tikuna Arte indígena, do Amazonas.

Ludmila Heringer, We’e’ena Tikuna, Felícia Assmar, Maria Zeferina, Rafael Morais, realizador do evento.

Moda autêntica com DNA paraense

Felicia abriu sua participação agradecendo pela convite de mediar o painel. Ela expressou a alegria de ver o reconhecimento da Amazônia como uma força criativa na moda. Com a coordenação de 17 edições do AFW, ela compartilhou sua perspectiva sobre a importância da prática do consumo local. Felicia citou os ícones da moda brasileira que saíram do Pará como o pioneiro Dener Pamplona de Abreu, bem como André Lima, Lino Villaventura e David Azulay e afirmou que eles tiveram que sair da região para conquistar reconhecimento na indústria da moda.

“Até hoje, o Pará é líder na formação de talentos no cenário da moda, ficando atrás apenas de Minas Gerais”, afirmou Felícia. 

Nas passarelas do AFW, a moda transcende fronteiras regionais, apresentando uma identidade amazônica com apelo global. Essa abordagem permite que as criações sejam comercializadas em todo o mundo. Isso porque a economia de mercado é considerada na criação que está alinhada com as tendências atuais. Portanto, a AFW assume o papel de vitrine, oferecendo visibilidade a criativos e empreendedores, com o objetivo de gerar emprego e renda. E a formação acadêmica  desempenha um papel crucial na promoção da moda autoral orientada por macrotendências que são: sustentabilidade, diversidade e a conexão com a realidade (enfatizando o consumo consciente e local).

Conexão com a matéria-prima orgânica

Maria Zeferina, da Demodê

Maria Zeferina, da Demodê, explicou que o Maranhão, estado nordestino, faz parte da Amazonia legal, justificando a presença no painel. A marca que produz roupa íntima e peças confortáveis tem cinco anos, mas foi inventada há mais tempo. O nome Demodê se refere ao passado, do tempo em que via, na adolescência, a mãe e a tia costurando roupas íntimas. A Demodê produz exclusivamente com o algodão colorido orgânico da Paraíba nos tons marrom e off white. A matéria-prima foi a inspiração para a criação da marca. Maria defende que esse deve ser o viés da criação de qualquer empreendedor. Além disso, as rendas manuais da Demodê, pertencem ao Nordeste, ainda que sua origem seja europeia.

Ela relata que o algodão colorido já nasce com a cor e nasce na região do semiárido, uma região seca, mas ainda assim, sem irrigação o algodão nasce. É cultivado sem veneno por agricultura familiar com contrato de compra garantida. O agricultor está protegido, o meio ambiente também. Além disso, o trabalhador tem tranquilidade por saber que há um comprador para a colheita.

“Os criativos devem estar conectados com a matéria-prima, assim como o consumidor também. Todos precisamos ter consciência no que criamos, produzimos, vendemos e também do que compramos”, disse Maria Zeferina.

Ela também explica que deve pensar na escalabilidade, desde que a produção sustentável respeite o trabalho do artesão. “Estamos construindo uma nova indústria. Pensando na matéria prima e na moda circular, de onde vem e para onde vai, sobretudo pensando nas pessoas envolvidas”, diz. A Demodê está nas passarelas do BEFW desde 2019. Na 7ª edição vai apresentar peças com tingimento natural. Ela enfatiza a sustentabilidade da produção e propõe a criação de polos de tingimento na Amazônia, a exemplo dos polos de rendeiras e crocheteiras do Nordeste.

Preservando a identidade e a espiritualidade

We’e’ena é indígena do povo Tikuna, nascida em Umariaçu, Alto Solimões, no Amazonas. Devido a conflitos em seu território, seu pai os levou para Manaus. Em Manaus, aprendeu português. Sua adolescência foi moldada pela observação da produção artesanal de colares e brincos que a família fazia para vender. Sua marca leva a sua identidade, incluindo a sua espiritualidade. É a uma marca contemporânea com a identidade do seu povo que também é uma forma de ativismo.

“Por que a identidade indígena ficou para trás, por que não tem voz?”, indagou We’e’ena.

Na cidade aprendeu a ser forte e usou a moda como linguagem. Há 12 anos começou a criar peças e, na faculdade, já queriam comprar. Ela sabia que um dia ia vender suas criações. Suas peças não são de tecido comum. São feitas com as fibras do Tururi, uma árvore sagrada. A fibra é retirada da natureza apenas pelos anciãos porque eles sabem o tempo e o limite que garante o próximo ciclo. Com sua moda, We’e’na quer mostrar que a natureza nos oferece tudo, temos que preservá-la. “A moda é segunda indústria que mais polui e o indígena só cria novas peças com Tururi quando necessário, evitando excesso e descarte. A nossa bandeira é promover o consumo consciente”, disse.

Em 2019, We’e’na foi a primeira indígena a apresentar uma coleção em desfile. Sua participação na semana de moda BEFW impulsionou sua marca, que conquistou reconhecimento tanto no Brasil quanto em Portugal. Atualmente, trabalha no Rio de Janeiro, incentivando outros a perseguirem seus sonhos de empreendedorismo. Ela finaliza, que indígenas querem uma vida plena. “Não queremos ser peças de museu. Queremos viver nossa vida real”.

Imprimindo a natureza na moda

Ludimila inicia sua fala demonstrando o orgulho da produção local e elogiando o governador do Estado do Pará por ter se apresentado na Cúpula da Amazônia com uma uma camisa bordada com o grafismo marajoara na Cúpula de Amazonia, quebrando o protocolo e trazendo a sensação de pertencimento para os amazonidas.

Ela relata que iniciou sua jornada fazendo bolsas de crochê. Com isso, foi convidada para participar do AFW 2017 e 2018. Em seguida, expunha e vendia seus produtos para no APL de Moda no polo Joalheiro. No final de 2018, participou de mentoria com André Lima e foi desafiada a também fazer roupas. Ela considera que sua marca nasceu naquele momento, com a coleção de roupas em crochê com ráfia. Hoje são cinco anos de marca Ludimila Heringer trabalhando também com estamparia botânica e tingimento natural. Tudo com foco na fauna amazônica como a castanha do pará, andiropa, pariri e copaíba. Além das matérias-primas nacionais como eucalipto, urucum e pau Brasil (tingimento objetivo com o residual da produção de instrumentos musicais). A mentalidade da marca é slow fashion. Trabalha com produção sob medida para evitar o consumo desenfreado e o descarte.

Ela conta sua primeira participação na BEFW, em 2022. A coleção foi extraviada durante a viagem para São Paulo, onde acontece o evento anual. Foram momentos difíceis, mas com a ajuda da equipe conseguir pegar peças do acervo e complementou com outras cinco peças em três dias. Ela elogiou a organização e o acolhimento do BEFW. Ludimila acredita que a produção dos criativos da Amazônia vai inspirar o mundo. Por isso, incentivou os empreendedores a participar na semana de moda sustentável brasileira.

“A sustentabilidade não é uma moda. Ela é uma necessidade. Todos temos que ser responsáveis com a moda. E ter certeza de que, se for descartar uma roupa, ela não fará mal ao planeta”, afirmou Ludimila. 

A conferência abre espaço para considerações

Jaque Carvalho

Jaque Carvalho, produz moda sustentável há 11 anos. Sua ancestralidade marajoara a motivou a desenvolver o seu trabalho. Ela ensina pessoas de baixa renda que precisam dar continuidade aos estudos, por destacou a necessidade de mais cursos de capacitação. Nilma Raiz artesã e designer usa matéria-prima local em sua marca Trama Design Artesanal. Ela realiza oficinas de manualidades em várias regiões do. Elogia o trabalho de Weena Tikuna e que sente orgulho de saber que sua produção de moda é apropriação da sua própria cultura.

Felicia, então, encerra o painel anunciando que em outubro haverá o primeiro Congresso Amazônico de Moda, Design e Inovação. O evento é uma parceria da Unama com a Associação de Costureiras e artesãs da Amazônia. A participação gratuita para qualquer pessoa interessada e deve conter palestras, oficinas e um desfile de encerramento,

Ludmila Heringer, Felícia Assmar, We’e’ena Tikuna, Maria Zeferina, Rafael Morais, realizador do evento.

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